domingo, 1 de março de 2009

O ESPECTRO


O espectro

Numa noite clara eu estava em meu sofá com um olho sobre um jornal impresso e outro sobre a imagem belíssima da lua. Foi quando tive uma surpresa, dessas que a gente não espera, mas acontece: eu vi um espectro. Um espectro apareceu-me entre as palavras e as frases, pululou em minha frente e num piscar de olhos, escafedeu-se. Minha cabeça entrou em parafusos, em segundo fiquei desolado, acreditando e não acreditando no que tinha visto.
De repente, um grande silêncio, um silêncio de remover as histórias de minha infância e levá-las a lume, criando personagens em minha mente, os mais alucinados. O céu engoliu as estrelas e um vento mansinho entrou pela janela. Eu não tive como me conter; permaneci imóvel por muito tempo, esperando a volta do infeliz e ao mesmo tempo esperando a proteção da lua.
Veio o infeliz de novo, surgiu do nada, fez vida creio para me dizer algo ou mesmo confessar. Parou diante de mim, cabisbaixo, com certa volúpia em dizer-me o que precisava dizer e ao mesmo tempo incapaz de comunicar. Não sei se pela minha ansiedade ou pela acessibilidade dele diante das coisas espirituais, ateve-se de aparecer e desaparecer, como que brincando de pique esconde.
Se quiseres brincar, que não se esconda. O jogo da vida é sério demais para brincadeiras, mas convém brincar. Permaneci ali, sentado no sofá, agora com um cigarro aceso, um crucifixo na mão e rezando,rezando, rezando...
Eu gritei e nada de aparição. Será isso charlatanismo de algum amigo meu que deva ter colocado uma câmera de efeitos especiais no intuito de testar meus medos diante do sobrenatural? Creio que não, seria besteira pensar nisto. Ou mesmo fruto de minha imaginação, fantasmas ocultos que viviam atordoando-me desde a partida de minha mulher Sofia para a casa de nosso filho mais novo, o João, que se casara recentemente com Maria Luísa, anjo em pessoa.
A casa em que moro é muito velha, cuja iluminação, a mais precária possível. As portas e as janelas chiavam a qualquer ventinho, dava a impressão de que é coisa de outro mundo. Reconstruir uma história macabra e infernal é só pisar os assoalhos escuros e os grossos portais entalhados. Esta é a minha morada.
Nada de espectro, então voltei pro jornal, ignorando que ele viesse a lume novamente. Fingi não ter medo algum, experimentando ao mesmo tempo a sensação de pânico, o pavor, a liberdade do espírito. De repente um barulho, outro barulho, foi quando olhando sobre minha sombra na parede vi um vulto alvíssimo acompanhando-a, tudo muito estranho, escuridão total, fuga. O espectro finalmente apareceu, pedindo que eu me sentisse calmo, que ele não fosse fazer mal algum e só queria confessar-me algo. Acalmei-me um pouco, mas estava petrificadamente exposto como Cristo esteve na cruz.
Agora mais calmo, mas ainda com medo; percebi que era preciso temer o desconhecido, era prudente isso. O jornal caído sobre o sofá, a janela aberta deixando o vento entrar; em questão de segundos o que era conforto foi se tornando apavorante. O infeliz diabo mudou de cor, de seus olhos saíram um fogo semelhante às lavas de um vulcão, mas pelo muito que eu quis saber dele, fui neutralizado pela minha falta de coragem. Afinal, medos são criações mentais, comumente os fantasmas. Mas eu não queria acreditar que não fosse um espectro, seria como ignorar a certeza que eu tinha de minhas visões mais excitantes e de meus medos. Criaturas apavorantes são imagens em nossa mente, ou boas ou más, bonitas, feias, simpáticas, antipáticas, sérias, engraçadas, são imagens de crianças que vivem em nosso subconsciente.
Quando recobrei meus sentidos, levantei-me disposto e endireitei meu corpo olhando dos pés à cabeça minha imagem. Tamanhas eram as semelhanças entre mim e o espectro que não me contive e comecei a gritar para que todo mundo ouvisse. Olhei a minha expressão, olhei a do espectro e acreditei que uma verdade fora-me revelada.
Para surpresa minha esta era a noite mais escura de todas as noites. Não bastassem os barulhos, notei a gaveta reviradas e os meus cartões de crédito ausentes. Nenhum dinheiro e nenhuma história pra contar. Valha Deus! O espectro era eu...
_ Quer comprar uma passagem à lua, moço? – disse.
Dizendo isto, sentou-se a meu lado e pôs-se a me ouvir.
_ Quero não, pois a lua é longe demais...
_ Não, é perto – voltou. Ficamos olhando um no outro, pediu-me que guardasse segredo. E vendo que eu o observava como ele a mim, aguardou que eu continuasse a fala.
_ O senhor não quer mesmo comprar a tal passagem? – puxou a palavra o espectro.
_ Tenho que ir mesmo, se o senhor insiste... ironizei.
_ A passagem custa dois mil e ainda o senhor leva acompanhante – disse o espectro.
_ Eu pago. Logo que eu o paguei o espectro saiu e endireitou-se pela rua afora. Sai correndo para ver a direção em que ele ia, mas minha visão tornou-se turva, ofuscada pela crença de que iria realmente para a lua.
O ponteiro do relógio chegou à segunda hora do outro dia e meus instantes de insônia começaram a se desfazer. O jornal estava sobre o sofá, o copo de vinho caído, e nada mais de espectro, e num impulso ou por intuição pude entender que sempre alguém tem um segredo a nos contar, e que às vezes somos a única pessoa de confiança desde mensageiro.
O espectro que pensei fosse real embrenhara-se nos confins levando muitos dos meus poucos pertences materiais, o que me importava naquele momento era o descobrimento de mim mesmo como criatura frágil na vastidão. É o ponto de partida para estar no mundo, para encontrar o caminho e com quem conviver.
Um telefonema cessou todas as minhas expectativas em rever o espectro novamente, era Sofia que perdera o ônibus e só retornaria no outro dia...
imagem by lagrimapsicodelica.blogspot.com

Georgia,

Nunca te esqueças de que

Dentro de mim

Bate um coração que te ama.